O desenvolvimento humano, em geral, é sempre surpreendente, muito intrigante e extremamente controverso. Refletir sobre posturas, comportamentos e habilidades adequadas a um bom trabalho na esfera da socialização, da interação familiar, da mediação ou em qualquer outra esfera é sempre desafiador, porque não raras vezes a nossa avaliação sobre nós mesmos e sobre o outro não coincide com as avaliações alheias.
De qualquer forma, qualquer indivíduo que esteja disposto a enfrentar o desafio de se autoavaliar já está em pleno processo de expansão, muito além dos que ainda não se predispuseram a refletir sobre si mesmos, o que não significa, porém, em absoluto, que todas as suas dificuldades e limitações tenham sido vencidas, embora talvez tenham sido corajosos e intencionados a tentar identificar seus pontos críticos e promover melhorias.
É regra termos limitações e é regra termos pontos de vista divergentes em razão da própria diversidade cultural na qual vivemos, que está composta por indivíduos que devem ser respeitados, mas que nem sempre possuem discernimento para a recíproca, então passamos, nós, a sermos desrespeitados, em razão de tendências abusivas, extremas ou sutis, mas sempre agressivas. E se formos reativos, a probabilidade de nos tornarmos vilões é, quase sempre, máxima. Suporte, ou morra. Essa seria a ideia?
É de uma complexidade extrema o viver em comunidade nos tempos atuais, já em razão das diversas “tribos” que as constituem, e a tendência parece ser o agravamento.
Não se trata de negatividade, mas de senso de realidade. Temos basicamente duas escolhas – identificar as falhas na sociedade que nos afeta e tentar amenizá-las com correções pontuais e sempre mais eficientes do que a omissão, até que haja um sutil movimento de adesão ao que é mais adequado, ou ignorar essas falhas e conviver, cada vez mais, com pessoas incluídas em um sistema social permissivo e pernicioso. Abusivo, em uma sutileza própria, que reconhecemos facilmente nos lobos em peles de cordeiros. Pobres lobos! Não que os cordeiros não tenham direito à vida, mas…fazem parte da cadeia alimentar, não é mesmo? Então podemos deixá-los à mercê da natureza! Não que a natureza não esteja sofrendo com intervenções humanas, claro que está…mas isso é apenas “um detalhe”.
Também não se trata de agir em julgamento ou em estado, e em nome da justiça, que já tem seu fundamental papel de regular as relações humanas nas sociedades, mas de avaliar criticamente uma situação que, se tem trazido bons resultados, particularmente considero que deveriamos tentar identificar a quem. Afinal de contas, o papel da justiça é secundário em relação ao poder que emana de quem a fundamenta, ou não?
Se a linha de raciocínio seguir em direção ao movimento de aprimoramento, ainda haverá, para muitos, situações totalmente descabidas em um contexto de “normalidade” social, mas se a linha de raciocínio objetivar o movimento de diversidade e de aceitação plena, no qual tudo é compreendido sob o pretexto de que se respeitem as necessárias diferenças sociais com a sua então necessária aceitação do inaceitável em detrimento de direitos alheios, a impressão é de que haverá um verdadeiro colapso, no qual toda a sociedade estará exposta, inevitavelmente, a todo tipo de informação cultural, entre outras coisas, benéficas ou não, ao desenvolvimento de práticas saudáveis de um ponto de vista mais “comum”, e talvez menos tendencioso, ou oportunamente divergente.
Desenvolver habilidades que nos coloquem em estado de empatia em relação a todos parece ser o ideal, na medida em que o propósito de todo desenvolvimento humano é a expansão da consciência coletiva e da verdadeira prática do amor ao próximo, porém, não parece crível que perder de vista que há limites e condutas que devem ser observados e respeitados, em detrimento de interesses particulares de indivíduos tendenciosos a comportamentos inadequados sob o pretexto do respeito à diversidade, seja salutar.
E, neste sentido, consta que o maior líder da humanidade, Jesus, posicionou-se, por muitas vezes, de modo bastante incisivo em relação às práticas sociais inadequadas. Embora tenha agido sempre com respeito e com amor, não agiu com aceitação de tudo o que Lhe foi apresentado.
Recentemente, inclusive, sobre o perdão, Rossandro Klinjey menciona, em uma entrevista, que perdoar não é esquecer, caso contrário todo o aprendizado seria desprezado, também não é ignorar a ação maléfica de um indivíduo em relação a nós, caso contrário estaríamos nos sujeitando à possibilidade de reincidências, e que também, eventualmente, pode ser necessário que chamemos a polícia a quem nos é potencialmente ofensivo, inclusive para evitar, dessa forma, que tal indivíduo continue sendo ameaça a outras pessoas. Conclui dizendo que antes de mais nada, por se tratar de exercício de extrema complexidade, é necessário, também, que nos perdoemos pela nossa dificuldade de perdoar. Considerei completamente pertinentes tais observações, perfeitamente aplicáveis. Creio que ninguém seja capaz de amar sem praticar autoamor e que ninguém seja capaz de perdoar sem praticar autoperdão. Como alguém poderia amar, perdoar e compreender o outro, se não for capaz de fazer isso em relação a si mesmo? E isso tudo é completamente diferente de egoísmo. Egoísmo, aliás, creio que só exista pela falta desses pré-requisitos.
Respeitar e amar ao próximo não significa, necessariamente, aceitar tudo o que ele nos oferece, inclusive porque a prática do autoamor é essencial a quem pretende amar e, para tanto, preservar-se é essencial.
Percebo que o respeito aos indivíduos, “diferentes que somos”, é essencial, mas nem sempre é possível que sejamos empáticos em relação a todos eles, o que não deve nos tornar menos respeitosos em relação às limitações e particularidades que talvez estejam em seus escopos existenciais e que nos pareçam muito distantes das nossas próprias, e já inaceitáveis como prática, como referência, ou como necessárias matérias de tolerância. Um exemplo tosco: não se pode “condenar” um canibal pela sua realidade existencial, mas também não se pode ter empatia em relação a ele, embora se possa compreender que ele traz no seu cerne espiritual esse vestígio ainda não superado, que precisa ser identificado e respeitado, mas não pode ser aceito como uma conduta de normalidade em uma sociedade, sob pena de sacrifício inoportuno de outros indivíduos que não podem ser expostos a tal risco. E, neste sentido, sim, a empatia precisa ser muito atuante, mas em relação aos demais, suas vítimas, ou pretensas vítimas.
A quem acredita que tudo está sob controle diante da ordem natural da vida, sem que seja necessária nenhuma ação própria e nenhum cuidado especial, desejo excelentes aventuras sob a proteção de Deus, do Universo, da Energia Cósmica, do Acaso ou do que lhes convier, mas sugiro que ao entrarem em seus abrigos, fechem muito bem as suas portas. Pelo menos estarão em real contribuição, então, com a “melhor” ordem natural das coisas.
E o que você, aí, pensa sobre o direito (social e individual) e a liberdade, o limite e a expectativa, a empatia, a permissão e a omissão? Estão separados por linhas tênues, ou não? Até onde você é um ser empático e até onde você é um ser permissivo ou omissivo? Você acredita na responsabilidade diante da permissividade, quando o tema versa sobre situação de caráter duvidoso, ou além, de caráter pernicioso? A empatia pode se tornar omissão? Ficam as dicas para algumas reflexões mais aprofundadas sobre questões tão…”comuns”.
Cristiane Pompeu Figueiredo