Pois então. Quem conta um conto aumenta um ponto. Então, prefiro as reflexões. E essa,
começo pelo título. O abismo entre o limite e a liberdade? Mas o que há, ou pode haver, de tão
aterrorizador entre o limite e a liberdade?
E aterrorizador sob que ótica? A ótica de quem respeita os limites da liberdade, da real
liberdade, a responsável? A ótica de quem acredita na liberdade sem limites, irresponsável?
Ou a ótica de quem observa os comportamentos e os classifica sob esse aspecto assim, mais
grosseiro, mais simplista, e os divide nestes dois principais grupos, em uma tentativa agonizante de entender qual é a real dificuldade de se estabelecer um ponto de equilíbrio
entre os ajustes e os desajustes pessoais e sociais?
Mas não há simplicidade. Os indivíduos são seres complexos em si mesmos, desde os
minimalistas até os maximalistas, para tratar grosseiramente das tendências humanas.
Todos os comportamentos, desde os mais simples até os mais elaborados, trazem um todo
complexo e completo em si, com origem geralmente integrada em fatores intrínsecos e
extrínsecos que podem se comunicar, ou não, tanto entre si, dentro de si, quanto fora de si,
com naturalidade ou artificialidade.
Quando a opção é a artificialidade, identifico duas questões que penso que sejam bastante
evidentes às pessoas mais observadoras – o interesse e a necessidade, juntos ou isolados. A
artificialidade é, sim, uma escolha embasada no interesse ou na necessidade do indivíduo de
ser aceito por si mesmo, ou pelo meio em que vive, ou por ambas as opções. Essa eleição
ocorre, justamente, porque este indivíduo acredita, ou tem consciência, de que não será
aceito, caso aja naturalisticamente. A partir do momento em que toma essa decisão, indica que
acredita, ou que tem consciência, de que o seu universo pessoal está aquém das expectativas
do mundo em que pretende se enquadrar e tem, também, a consciência de sua incapacidade
de, enquanto espontâneo, sentir-se aceito naquele cenário.
Pode ser que tenha a crença, ou a consciência, também, de estar aquém, inclusive, daquilo que considera que seja o ideal para si mesmo. Lança uso de máscaras funcionais e então percebe que, desta forma, está apto a integrar o meio social que lhe interessa ou do qual necessita. E, então, aplica a teatralidade
que criou para si mesmo, e quase sempre em seu exclusivo favor.
Em quaisquer dessas situações, tem-se claramente o indivíduo consciente, sim, de seus
interesses e de seus limites, mas também de sua capacidade de superá-los, com muito ou
pouco sacrifício, ou de contorná-los, com certas facilidades que se permite, por exemplo, ao
adotar as tais máscaras, mais, ou menos relevantes. Na primeira hipótese, ao optar pela
superação dos próprios limites, está ativada, e em prática, sua consciência evolutiva, enquanto
ser.
Já na segunda hipótese, está ativado, e em prática, o mecanismo de defesa do indivíduo
que, pseudoprotecionista de si mesmo, seja por instinto, seja pela internalização dos
aprendizados que recebeu em sua trajetória, seja por escolha raciocinada, enquanto ser
consciente que é, mas que, deliberadamente, prefere permanecer no estado em que se
encontra, já que sair do seu estado prisional (vítima de si mesmo, na medida em que vive
oculto) é algo que lhe aterroriza mais do que a hipótese de olhar para dentro e emergir. E nisso
consiste o enorme abismo.
Embora um olhar desavisado identifique neste indivíduo um ser pleno em liberdade, porque
geralmente a adoção de máscaras muito relevantes lhe assegura a sensação de poder e de segurança, o que também lhe confere a pseudossensação de liberdade e uma consequente
aparência social de vivência dessa liberdade, neste contexto há explícito o limite extremo de si
mesmo, em detrimento do limite saudável da escolha consciente da melhor forma de superar
as próprias limitações com responsabilidade, com maturidade, e com a consequente, real e
desejada liberdade, a liberdade, de fato, libertadora.
A escolha consciente, por sua vez, que traga em si o equilíbrio e o limite lógico que elege quem se vale do respeito e da responsabilidade para agir em prol de si mesmo, primeiramente, sempre, e por óbvio, já que será o primeiro beneficiado por suas próprias e adequadas escolhas e, consequente e
secundariamente, em prol da coletividade, essa, sim, traz liberdade. Este é o meu ponto de
vista sobre limite e liberdade, porque limite é uma condição essencial à convivência e o
consequente respeito intensifica a responsabilidade para que, então, seja promovida a
liberdade, a real liberdade.
E quanto a você? Em sua opinião, essa capacidade de escolha e essa derivada responsabilidade
é uma característica associada à idade cronológica do indivíduo? Ou à exposição cultural e
educacional às quais ele foi submetido? Ou a outros fatores?
O meio social exerce ou não exerce influência sobre a formação e o aprimoramento de caráter
dos indivíduos? O que você pensa sobre isso? Você vislumbra liberdade, em seu sentido mais
amplo, na conduta de quem não tem base essencial e emocional para um posicionamento
crítico, seguro, raciocinado e responsável sobre questões relevantes da sociedade e da própria
existência, mesmo que tal conduta indique a aparência de que este indivíduo vive livremente?
Onde, de fato, está a liberdade quando os limites mais naturais e essenciais são ignorados?
Não me refiro aos limites impostos por convenções eivadas por interesses escusos. Refiro-me
apenas e tão somente à liberdade pura e simples, raciocinada, responsável e benéfica, que
garante aos indivíduos o saudável exercício de viver em sociedade, de acordo com suas
próprias conviccções, porém, também com a observância dos próprios limites no que tange aos
direitos alheios de usufruir dessa mesma liberdade. Espaços compartilhados, como o mundo
em que vivemos, por exemplo, exigem critério e bom senso para uma convivência saudável, daí
a necessidade de alguns regramentos e de obediência a algumas básicas etiquetas sociais, que
a pretexto da mais ampla diversidade, têm deixado de ter relevância.
Como exemplo muito superficial, ainda que uma grande maioria eleja o futebol como esporte
nacional, haverá indivíduos que preferirão outros esportes e deverão ser respeitados em suas
escolhas. Ou não? Ou os campos destinados aos amantes de futebol deverão ser invadidos
pelos jogadores de vôlei, por exemplo, e vice-versa? E essa é a questão. O respeito aos limites
precisa ser considerado.
Particularmente, penso que a menos que a relevância seja extrema, e que impere o interesse
social como premissa para a segurança de toda uma população, nada deve ser imposto ao
indivíduo dentro do seu escopo de preferências, desde que ele respeite os limites alheios.
Quanto às imposições que tenham por objetivo fundamentar e consolidar teorias de interesses
ideológicos, essas, então, muito menos devem ser impostas ao indivíduo, especialmente
quando ele ainda não possui capacidade cognitiva e intelectual para raciocinar adequadamente
e muito menos determinar com segurança emocional suas próprias escolhas em relação a
essas possibilidades não convencionais e que são, sim, extremamente restritivas, e de modo
algum, expansivas, ao meu ver.
Para tal conclusão, basta que se analise o caráter agressivo e inadequado dessas abordagens, que expõem aos precoces situações que não lhes compete conhecer, absolutamente, sob pena de sérias consequências, e que caracterizam verdadeira violência psicológica infantil, da qual haverá derivações futuras, certamente ainda mais sérias.
E você? O que pensa a respeito?
Cristine Pompeu Figueiredo
Fonte: https://mundodepalavras.wordpress.com/2017/06/22/o-limite-da-liberdade-e-o-amor/